segunda-feira, 30 de abril de 2012

O sonho profissional

O sonho profissional

Rosenildo acorda cedo, os olhos pouco descansaram naquela noite. Ansioso por iniciar uma nova vida profissional. Aguardava, porém, seu amigo Luciovaldo para levá-lo serra acima. A vida de professor na escola estadual de Praia Grande já não era seu objetivo, seus sonhos exigiam voos maiores que um aumento do “vale coxinha” de apenas quatro reais dado naquela semana. O dia reservava a ele o início de uma carreira promissora numa empresa de e-commerce na qual seria gerente.

- Ainda bem que o Luciovaldo é pontual, se fosse só por mim, estaria perdendo o horário no primeiro dia de trabalho. Pensava ele enquanto consultava o relógio. – Seis horas! Estou muito atrasado! Concluiu enquanto corria para o banheiro. Abriu a janela do banheiro para espiar se lá embaixo estava o carro do amigo, lá estava ele. – O Luciovaldo tem a chave da porta, ele que entre e espere até que eu termine o banho. A chave a que Rosenildo se referia, era qualquer objeto que coubesse no espaço deixado pela maçaneta da porta, poderia ser uma tesoura, uma chave de fendas ou a única maçaneta avulsa da casa usada para também abrir e fechar a porta do banheiro.

Blam! O vento entrou com força pela janela que deveria estar sempre fechada, e acaba trancando o Rosenildo no banheiro.

- Droga! Rosenildo fecha a janela do banheiro inutilmente, e A campainha toca. – Pode entrar, estou no banho. Disse ele aguardando que o amigo entrasse. Silêncio. Ele termina o banho, chama o amigo e nada. – Isso deve servir. Diz ele ao encontrar uma tesoura que usava para aparar os pelos das orelhas e nariz, enfia na fechadura e se vê livre daquele cubículo. – Cadê o Luci??? Pergunta-se ao passo que corre para a cozinha pegar os óculos que deixou em meio às garrafas de vinho tomadas na noite anterior. Corre à porta, observa pelo olho mágico e nada vê. Procura pela maçaneta e a encontra em meio às caixas vazias de pizzas, pega um pedaço da de quatro queijos, mastiga vorazmente enquanto abre a porta.

É quando vê caído na soleira da porta seu amigo Luciovaldo. Ele mexe com o amigo na intenção que ele pare com a brincadeira, pois ele estava atrasado para o grande dia. Mas não obtém resposta. Preocupado ele olha em redor, principalmente para a porta do apartamento da dona Penha, mulher intragável sempre atenta à vida alheia e disposta a confusão. Ele não a vê, mas tem a impressão de ter visto um vulto se mover pela fresta daquela porta.

- Ele não pode ficar aqui. Pensou enquanto arrastava seu amigo para dentro do apartamento. Colocou-o deitado no sofá, percebeu que o corpo estava quente, pensou em chamar o médico do 413, mas depois se lembrou que aquele era um morador de temporadas, e que depois desse carnaval, só voltaria nas férias de meio de ano. Concluiu que estavam, naquele andar, ele e a Dona Penha. Atento ao amigo, percebeu que este não tinha pulso. – Está morto! Ora essa agora, justo no primeiro dia do meu trabalho este cara dá para morrer.

O desespero tomou conta do Rosenildo, não pelo fato de perder o amigo, e sim pelas consequências sobre seu futuro profissional. - Vou ligar para a polícia. Disse e enquanto discava, ia desistindo da ideia. – Não, isso vai me causar mais transtornos, ele fica aqui, vou ao trabalho e na volta resolvo isso. Pensou isso enquanto desligava o telefone. Vasculhou o bolso do amigo e de lá tirou a chave do carro, juntou a ela a tesoura de cortar pelos do nariz, sua pasta de executivo e o guarda-chuva. Consultou o relógio, seis e meia, desceu as escadas, não queria encontrr com ninguém e ter que de repente responder sobre o amigo que subiu à pouco.

- Isso é provocação, já não bastava ter morrido em minha porta? Disse ele ao ver que o carro estava com o motor ligado, chamando a atenção sabe-se lá de quem, já que o condomínio estava às moscas. Mas a preocupação de ter que se justificar sobre qualquer coisa a quem quer que seja estava longe de seus planos. Seus planos eram outros, e nada poderia atrapalhar. Muito menos um morto, mesmo sendo ele seu amigo. Mas Rosenildo esperava que no fim do dia tudo fosse se resolver.

Dentro do carro tentou espantar a lembrança do ocorrido, lembrou-se então dos anos que passou dentro daquela escola, a preencher diários, corrigir avaliações, se submetendo ao baixo salário e às péssimas condições de trabalho, lembrou-se dos impropérios ditos aqueles colegas de trabalho que pouco ousavam nas suas aulas, mas que na hora de se dirigir à diretora ou ao coordenador, douravam a pílula dizendo cativar seus alunos com aulas espetaculares. Agora seu destino era subir, a princípio a serra do mar, e depois na vida profissional, esse dia haveria de ser o divisor de águas na sua vida, chegará atrasado, é certo, porém terá como justificativa o trânsito caótico da cidade. Deixava para trás, alem do corpo do amigo, angustias e frustrações de uma vida voltada a algo que não se identificava.

Foi seguindo o caminho até que o carro começou a perder velocidade, o motor falhando, e os solavancos ao entrar no acostamento, cada vez mais intenso, até que ele acordou.

Acordou com Luciovaldo avisando que estavam atrasados para a primeira aula.

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